O Mosteiro De São Cristóvão de Lafões contextualização e resumo histórico

  • “Como peças que guarnecem o leito, bastam uma esteira, uma colcha, um cobertor e um travesseiro.”

    Regula Benedicti

    "O nosso lugar é no estudo tranquilo, na prática em jejum, na vigília, na oração e no trabalho das nossas mãos, mas sobretudo é trilhar o caminho mais elevado, que é o amor."

    São Bernardo de Clairvaux, "Manifesto Cisterciense"

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    Sala de Reis, Mosteiro de Alcobaça - Escultura alegórica do Papa Alexandre III e de S. Bernardo de Claraval coroando D. Afonso Henriques

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    São Bernardo e a Virgem de Melchior Binder, 1608. Igreja de Sta. Ana, Mosteiro Cisterciense de Heiligkreuztal. S.Bernardo de joelhos, a virgem alimentando-o, e a ladeá-los, de pescoço inclinado para caber no altar, Santa Inês com um cordeiro aos pés, e Sta Tecla com o leão aos pés.

    ©Andreas Praefcke

    Monaquismo

    A ideia de uma vida de oração e meditação longe das guerras e das disputas estéreis, sempre fascinou o Homem. Primeiro numa experiência a solo, depois em comunidade. Havia um retiro completo da sociedade para ir viver longe do mundo, sobretudo no deserto, descrito na Bíblia como o lugar da provação purificadora e do encontro com Deus. Esses homens, também chamados eremitas, levavam vidas de ascetismo, oração, trabalho e solidão. Temos então testemunhos destes eremitas e destas Comunidades a partir do sec.III, sobretudo no Oriente. Santo Antão do Egito, é o paradigma desse tipo de monge. (Talvez seja oportuno referir, que “monge” vem de _monachus_, ou seja solitário) A sua vida no deserto teve uma grande influência no monaquismo cristão no Oriente e no Ocidente. A São Pacômio é atribuído o atributo de pai do monaquismo comunal, pois redigiu uma regra para a vivência dos monges em comunidade no seu mosteiro, que ganhou grande influência tanto no Oriente quanto no Ocidente. A difusão no Ocidente, após a promulgação por Constantino do édito de Milão, no ano 313, acabando com a perseguição aos cristãos, é atribuída a Santo Atanásio, na atual França, onde há relatos das primeiras comunidades de vida monástica de São João Cassiano em Marselha, e de São Martinho de Tours em Poitiers.
    Até que em 529, Bento de Núrsia, se instala com um pequeno grupo de monges em Monte Cassino, e aí terá escrito a “Regula Benedicti”, 73 capítulos com as regras de vida comunitária e de obediência, referindo como deverá ser o abade e os monges, quais os castigos de quem não cumpra as regras; as características da humildade, como deverá ser a oração, o santo ofício, o trabalho, a alimentação, a atitude perante as visitas, o que é necessário e o que sendo supérfluo deverá ser banido.

    Ora et labora

    Propõe assim, um equilíbrio entre a oração e o trabalho, entre a ação e a contemplação. A Regra ensinava a viver uma vida comunitária, a exibir qualidades de obediência e humildade. Sem nunca deixar de rezar.
    Após a queda do império romano, e perante um vazio de autoridade e poder, o apelo desta nova forma de viver foi alastrando pelo espaço que hoje é a Europa. Aos poucos os monges que viviam isolados juntam-se em comunidades monásticas. Estas comunidades vivem em trabalho, meditam e discutem. Dão-se avanços e recuos à volta da construção de uma outra organização, com base nos mil anos de civilização romana. Dá-se também a grande conversão dos povos bárbaros. Os missionários cristãos, quase todos monges habituados à simplicidade da vida, desprendidos de todos os laços terrenos, acostumados a todo o tipo de privações, prontos para qualquer tipo de trabalho, que muito impressionaram os bárbaros, introduzem paralelamente as bases para o alfabeto, literatura, agricultura, leis e artes, todos os ramos do conhecimento e da arte da paz, às nações do norte e oeste da Europa.
    Esta febre missionária faz também que haja deslocações de monges de várias nacionalidades, entretanto convertidos a percorrer o espaço europeu.
    Os novos convertidos são também os mais fervorosos combatentes das Cruzadas.

    Cluny e os Cistercienses

    O monaquismo beneditino continuou a espalhar-se, atingindo o seu auge no século X com o florescimento da Abadia de Cluny, fundada em 910. Os monges eram a "nobreza espiritual" da igreja e representavam um tipo superior de virtude, em total separação do mundo e na consagração ao reino de Deus. Porém, depois de tempos de acumulação de poderes, de riqueza e domínio, o alheamento com a realidade e a decadência espiritual, fazem com que surjam movimentos de ruptura dentro das comunidades e um desses é um pequeno grupo de monges que queriam retornar às raízes da verdadeira vida monástica; liderados pelo abade Robert, deixam o mosteiro de Molesme para fundar um novo mosteiro em Citeaux, perto de Dijon, em 21 de março de 1098.
    Depois do difícil começo, Alberic, sucessor de Robert, recebe autorização para este novo mosteiro do papa Pascal II, e dedica-o à Virgem. Seguiu-se então Estevão (Stephen) Harding que coligiu a Carta Charitatis, a Regra do Amor, o código dos cistercienses, sublinhando a estrita observância da Regra Beneditina, passando a ser o modo de vida austeramente simples; a regra do silêncio foi enfatizada e a carne proibida, exceto em caso de doença. A ementa conventual limitou-se a dois pratos. Todo o adorno desnecessário das igrejas foi evitado, para que nada permanecesse na casa de Deus que indicasse orgulho. As cruzes deveriam ser de madeira. A ênfase foi colocada no trabalho manual como uma parte essencial da vida monástica. Como tinham de viver do seu trabalho, estas comunidades são um exemplo de especialização nas artes da agricultura e piscicultura, no cultivo da vinha, no cultivo dos pomares e no cuidado do gado.
    Em 1113 chega a Citeaux um jovem nobre, Bernard de Fontaine, com trinta companheiros e membros da sua família. Apenas 3 anos depois é enviado para fundar um novo mosteiro em Clairvaux, do qual se torna abade. E seguiram-se La Ferté, Potigny, e Morimond. Estas cinco primeiras casas serão as casas-mãe responsáveis pela fundação de outras e que exerciam o direito de visitação anual. Um Conselho Geral de vinte e cinco era composto pelos abades destas casas.
    Cada mosteiro por sua vez, escolhia o seu próprio abade. A comunidade de todas as casas era assegurada pela observância da Regra e pelos capítulos anuais, onde se discutia e se punha um fim às questões em disputa.

    D. Afonso Henriques

    Bernardo é o grande impulsionador, a figura responsável pela popularidade enorme desta ordem. Não só pelos seus escritos teológicos e pelo seu pensamento mariológico, e as polémicas que não recusou, mas porque viajou até aos centros de decisão para fazer prevalecer os seus ideais.
    Ajudou a fundar ou incentivou a fundação de, ao que se crê,163 mosteiros.
    É nestas viagens que encontra D. João Peculiar, eventualmente também de origem borgonhesa como Bernardo, e de quem deve ter ouvido falar dos eremitérios no vale do Douro e em S. Cristóvão de Lafões, onde João era proprietário. A verdade é que esta comunidade dirigida por João Cirita adotará o hábito cisterciense, e em 1140 há notícias de cistercienses também em S. João de Tarouca. Ora, D. João Peculiar é conselheiro do jovem rei Afonso, filho de Henrique, também ele de ascendência borgonhesa, e que necessita de promover o povoamento e reestruturação dos territórios entre o Douro e o Mondego, sobretudo nos territórios recém-conquistados. D. Afonso Henriques tem de se concentrar na defesa, consolidação do território, política de repovoamento, nas relações com o papa e os bispos e, com os soberanos mais próximos, e nesse sentido é fundamental este ímpeto bernardino, e a conjugação de interesses com os cistercienses.

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    Mosteiro de Alcobaça
    Detalhe do claustro medieval, construído ao que se crê entre 1308 e 1311 e concebido por Domingo Domingues e Mestre Diogo

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    Foto de 1939 (?) - Mosteiro de S. Cristóvão de Lafões
    Vê-se bem o aqueduto e a Capela da Sra da Boa Morte

    Mosteiros Portugueses de Cister

    Seguem-se várias filiações. Em 1147, com ajuda de cruzados, são conquistadas aos sarracenos Santarém e Lisboa, e este avanço para sul obriga a um povoamento rápido e eficaz. É então fundada a Abadia de Santa Maria de Alcobaça (Carta de Couto de 8 de Abril de 1153), cuja construção baseada na planta do Mosteiro de Clairvaux, começou em 1178, com a intenção de ser o ponto irradiador de fé e cultura.
    Quatro anos depois é canonizado São Bernardo.
    E, com o apoio régio, até 1221, ou seja, no reinado do terceiro rei de Portugal, D. Afonso II, há dezasseis casas filiadas a Cister, muitas que anteriormente ou eram eremitérios ou beneditinas. A fundação de abadias femininas começa ligada à proteção e padroado das três irmãs de Afonso II, as beatas Teresa, Mafalda e Sancha que fundam ou convertem os mosteiros de: Lorvão, Arouca e Santa Maria de Celas.
    Esta ligação entre o reino, os nobres mais importantes e os cistercienses continuará séculos fora. Os cistercienses, trabalhadores diligentes e rigorosos, na hidráulica e na agricultura, pensadores, e educadores, precisavam tanto do apoio régio, como este precisava deles. Financeiramente, também. A importância de Alcobaça vai crescendo. Com um couto de 40 mil hectares de terra tornada fértil, jurisdição sobre treze cidades, quatro portos e dois castelos, vai-se impondo como contraponto de poder. Além disso, os monges ensinavam não só os noviços que queriam entrar na Ordem nas escolas instaladas nos mosteiros, primeiro Teologia, mas a partir da regência do abade Estêvão Martins em Alcobaça, de 1252 até 1276, Gramática e Lógica, com uma escola aberta à restante população:
    "e para comum utilidade de nossos Monges e de todos os mais que desejarem adquirir a incomparável riqueza da sabedoria, instituímos em nosso Mosteiro um contínuo e perpétuo Estudo de letras”.

    Entretanto, em São Cristóvão de Lafões

    Obviamente, que o fulgor de Cister em Portugal sofre altos e baixos, vê-se refém do que acontece no reino e pela Europa. As visitações e a presença nas assembleias gerais são inconstantes, o isolamento de muitos mosteiros deixa-os à própria sorte.
    O número de noviços que queriam entrar para a ordem diminui, o dinheiro é pouco perante as necessárias reconstruções de edifícios de mosteiro e igrejas, a pandemia de peste, a Guerra dos Cem Anos entre a Inglaterra e seus apoiantes e a França e seus apoiantes, tudo contribui para a diminuição do número de monges, em mosteiros queimados e esvaziados.
    Por imposição papal, as casas monásticas passam ao regime de comenda, ou seja, à frente das abadias não ficariam monges eleitos pelos restantes, mas membros do clero secular ou apenas nobres, que assim aumentavam as suas rendas e empobreciam os mosteiros ainda mais.
    Uma visitação de D. Edmundo, abade de Claraval, a São Cristóvão, denota que o mosteiro está a cair, os monges vivem fora do mosteiro, tendo uns constituído família, e, apenas dois permanecem fieis aos seus votos, apesar das necessidades por que passam !
    Um pouco mais tarde, por iniciativa do Infante D. Afonso, abade comendador de Alcobaça, é deliberada uma inspeção em 1536 a vários mosteiros da ordem, entre eles, S. Cristóvão de Lafões. Os monges visitadores chegam do mosteiro cisterciense de Piedra em Aragão:
    "E despois desto os dictôs Visitadores chegaram Ao mosteiro de sam christouam de lafões que he da ordem do bem auenturado sam bernardo e de religiosos. No qual nam avia abbäde nem comendatario, e avia letigio em corte de roma sobre elle, honde esta hora por prior crausteiro ho padre ffrey sebastiam."
    (nota: transcrição de Saul António Gomes)
    Por este relato se sabe que por esta altura em S. Cristóvão viviam os monges com fome e em auto-gestão.

    Época áurea e fim

    A reforma chega em 1559.
    O Papa Pio V confirma a fundação da congregação portuguesa dos mosteiros cistercienses, oficialmente "Congregação de Santa Maria de Alcobaça da Ordem de S. Bernardo nos Reinos de Portugal e do Algarve". Com a congregação, os mosteiros deixam de estar subordinados ao mosteiro de Claraval, ficando sob a tutela do mosteiro de Alcobaça. Acaba também a regência dos abades comandatários ou perpétuos; a comunidade conventual será regida por priores trienais que devem ser nomeados em capítulo provincial. A jurisdição do prior trienal será meramente espiritual;
    os monges devem obrigar-se ao respeito estrito do que professaram, e não terão direito de propriedade; os mosteiros só deverão ter o número de monges que possam sustentar, a idade mínima de acesso dos noviços passa ser 16 anos.
    Estão presentes no Capítulo Provincial alcobacense, abades de 11 mosteiros, entre os quais o padre frei Gaspar de Beça, abade do Mosteiro de São Cristovão de Lafões.
    A reforma dos cistercienses portugueses alavancada pelo Concílio de Trento, onde a disciplina e a doutrina católico‐romanas são claramente especificadas, é encabeçada pelo Cardeal Infante D. Henrique, ele mesmo abade comandatário de Alcobaça. Aos mosteiros femininos foram impostas regras mais severas, especialmente quanto ao rigor das clausuras e da disciplina de costumes no interior dos claustros.

    O resultado é que a reforma, fará com que haja de novo um florescer da Ordem, sobretudo marcada pela nova imagem arquitectónica e artística, maneirista e barroca.
    Entre os mosteiros que são sujeitos a obras de restauro e ampliação, ou reconstrução, está São Cristóvão de Lafões, obra ainda inacabada à data do Decreto de Extinção das Ordens Religiosas, assinado por D. Pedro IV, em 1834.

    Com este decreto régio acaba também, por um período de quase cento e cinquenta anos, a presença cisterciense de quase 700 anos em Portugal.

    O mosteiro de São Cristóvão, já separado da sua Igreja, entretanto convertida em Igreja Paroquial, acaba por ser abandonado e entra em ruína progressiva, até à reconstrução a partir de 1984.

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